Sunday, October 07, 2007

Acordou num susto seguido de conforto. Os olhos, agora mais brilhantes, viam seus contornos se insinuarem à pouca luz que atravessava a cortina escura. A mão sentia o cabelo que lhe parecia mais macio, a outra percebia seu seio mais orgulhoso e sua barriga mais desejável. Sentia-se bem.
Ao levantar, o calor da manhã abraçou seu corpo e sua alma. Ela transbordava auto-confiança, determinação, poder e desejo. Desejava, com água na boca, tudo o que via pela frente, num desespero insano de consumir o mundo tornando-se o todo. O ar trazia a sensação de que agora ela deixaria de ser um elemento de fora do círculo para se tornar o eixo dele. Ela respirava esse ar como se fosse acabar a qualquer momento. E se enchia de tudo isso.
O sabonete deslizava pela sua pele numa maciez invejável. Ela sentia tudo, desejando a si como ou mais que qualquer um que realmente a visse desejaria. A água lavava o plano físico e o espiritual, levando consigo qualquer vestígio de insegurança que poderia existir.
Tudo era novo. Aquela sensação de inclusão no mundo que invadiu seu quarto para levá-la pra fora era o que mais emocionava. Sentiu o reconhecimento da sua importância nascendo com o sol.
Andava na rua sorrindo, com o olhar voltado para dentro, observando o orgulho de ser quem era. Ansiosa por sua chegada, imaginava variações detalhadas dessa cena para se distrair ou se concentrar na sensação gostosa. Quem ela encontraria antes de chegar, com quem ela entraria conversando, quem se levantaria para lhe dar um abraço de bom dia, quem confiaria assuntos pessoais mostrando confiança.
- Bom dia!- ele diria.
- Bom dia!- ela, com um sorriso.
- Sonhei com você...
- Sério?! Como foi?
- Não me lembro direito, mas acordei com saudades. O que vai fazer hoje?
- Acho que nada.
- Vamos sair! Eu quero falar com você, posso te ligar?
- Claro.
Ele estaria apaixonado. Aquele tipo de paixão que faz a pessoa segurar o seu rosto com as mãos espalmadas e dizer "você é minha vida" ou "eu não aguento passar mais um minuto longe de você", isso antes de um beijo com abraço apertado daqueles "você não vai mais embora".
Ela se sentou na cadeira imaginando os dois se vendo em público, fingindo que não tinham nada um com o outro. Imaginou os olhares intensos de um segundo e a adrenalina desse jogo delicioso. Imaginou a vontade escondida de que a aula chegasse ao fim para poderem sair dali e se abraçarem por horas. Imaginava uma daquelas discussões bobas de ciúmes "cala a boca! pára! você tem que entender que eu sou louco por você e não consigo lidar com a idéia de te perder! eu não consigo!". Depois se beijariam, se amariam, tomariam uma taça de vinho tinto e conversariam o resto da noite sendo acariciados pelo vento. Dormiriam sem perceber, deitados no sofá-cama com a tevê ligada num filme francês. No outro dia se comportariam como se não existisse nada além da sala de aula, se olhariam discretamente pelos corredores. Pensariam um no outro nos momentos possíveis e se encontrariam novamente no plano dos sonhos. E o tempo trataria de legalizar sua relação, podendo enfim sair e viajar juntos.
-Bom dia, gente. - ele chegou.
-Bom dia, professor.
Ela se deu conta de que chegou e iria embora sem ser notada. Refez a manhã rapidamente e não se lembrava de ter ouvido algum cumprimento antes desse. Olhou em volta e todos conversavam e sorriam entre si. Ela estava no canto, sozinha, com o semblante esquizofrênico de costume. Doeu um pouco a queda da sua auto-confiança, doía voltar a odiar cada centímetro quadrado/cúbico de si e cada unidade de medida da sua alma podre. Decidiu que voltar a sonhar, apesar de insensato, era mais conveniente.
O filme de drama romântico mais intenso que ela viveu passou naqueles cem minutos das duas primeiras aulas com o professor. Sorria, ficava séria, os olhos brilhavam numa variação de sentimentos explícitos e ela parecia uma espécie de louca sentada na cadeira separada.

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