Rafael era um cara comum. Tinha 32 anos, trabalhava como gerente num banco normal. Acordava todos os dias cedo, comia pão com manteiga e tomava café. Andava de metrô, morava num apartamento comum, no centro da cidade. Guardava um pouco do dinheiro, todo mês, pra fazer uma viagem cujo destino ainda não havia sido escolhido. Via sua namorada, nem feia nem bonita, todos os dias, depois das sete. Não gostava de novelas, assistia alguns filmes que passavam de madrugada ou locava um lançamento de vez em quando. Sempre marcava de jogar futebol no domingo com os caras do trabalho, mas ele dormia até meio dia quando podia. Não sabia dançar, nem perdia seu tempo pensando nisso. Na verdade, nem no tempo ele pensava.
Quando a mãe perguntava se estava tudo bem, ele dizia que sim, tá tudo bem, na medida do possível. Ele não costumava se perguntar nada disso, nem fazer discursos sobre a parte sentimental da vida. Ele não era frio nem era meloso.
Certo dia, como todos os outros dias, Rafael acordou cedo e foi lavar a cara. Tentou lembrar se sonhou a noite, mas ele nunca lembrava mesmo. A namorada acordou logo depois e foi tomar um banho. Antes de sair do banheiro ele ouviu: "coloca um pouco mais de açúcar no café, por favor, meu bem".
Fez o café, com mais açúcar, mas não reparou na diferença do café de sempre. Colocou os pães na mesa, a manteiga, o queijo. Procurou coisas diferentes, já que tinha visita. Descascou um abacaxi e esperou a mulher. Ela estava demorando, então ele foi se vestir pra não se atrasar.
Sentaram na mesa. Ela experimentou o café, com um sorriso sutil. Ele tomou mais café e cortou dois pães. Ofereceu pra sua namorada o prato com abacaxi. Ela recusou dizendo que abacaxi lhe deixava com muitas aftas, lembra? Ele disse que não e comeu algumas rodelas de abacaxi pra evitar o desperdício. Ela pegou um pão cortado e comeu, com manteiga.
Deu um beijo na mulher ia saindo. Pediu pra ela comprar alguma coisa pra comer no almoço, já que almoçariam juntos. Algo que ela gostasse bastante. Ela disse que sim, sorrindo, feliz com a preocupação dele. Barrou Rafael na porta, dando um beijo quente de café. Desejou bom dia e sorriu. Ele deu um sorrisinho e saiu pro trabalho.
Ela terminou de comer, arrumou a mesa, lavou a louça, arrumou e passou um pano na casa e colocou algumas roupas na máquina de lavar. Foi ao banheiro, organizou-se e saiu pra comprar o almoço. Saiu pensando em algo que ele também gostasse e que fosse um pouco além do almoço normal. Ela não lembrava de nada especial. Comprou, feliz, os ingedientes do que ela sabia fazer de melhor. O mercado ficava na quadra ao lado. Foi atravessar a rua e tropeçou, deixando umas coisas caírem. Levantou e foi recolher as compras. Ouviu uma buzina, o carro bateu bem de frente com ela, que morreu na hora. O socorro chegou e ela não foi identificada. Os documentos ficaram no apartamento, já que era ao lado.
Rafael chegou em casa. Abriu a porta, entrou. Tirou a camisa, foi ao banheiro, lavou o rosto. Olhou no relógio, tinha duas horas de almoço. Demorou um pouco pra ele se lembrar que a namorada deveria estar ali com o almoço pronto e que por isso ele tinha voltado ao invés de almoçar na rua. Mas não tinha ninguém em casa. As coisas dela ainda estavam no quarto, talvez do mesmo jeito que estavam quando ele saiu. Ou não, a cama parecia arrumada. A cozinha estava limpa, não tinha sinal de começo de almoço. Ligou para o celular dela, que tocou ali do lado do telefone. Olhou no relógio, ainda tinha uma hora e 40 minutos. Ligou pra casa dela, a irmã pensou que ela estava com ele. Ele desceu, pra perguntar ao porteiro se saiu uma moça de cabelo até o ombro, escuro, traços normais? O porteiro disse que saiu, mas fazia tempo. Rafael já ia subindo, quando o porteiro o chamou de volta, dizendo que tinha acontecido um acidente quase na porta do prédio, com uma moça, mas que ele não sabia se era ela.
Chegou no necrotério e reconheceu o corpo machucado da sua namorada. Ele ligou pra cunhada e não sabia como contar, então contou na lata mesmo, com uma voz um pouco tremida. Logo os familiares apareceram e cuidaram de tudo, chorando. Rafael tinha que voltar ao apartamento pra buscar as coisas dela, os documentos. Olhou no relógio e foi, voltando rapidinho com os documentos em mãos.
Decidiu voltar pra casa e tomar um banho, pra depois decidir o que fazer. No chuveiro, começou a chorar por ter visto dois coraçõezinhos de silicone grudados na parede. Ela deveria ter colocado mais cedo. Seu coração doeu, de uma forma bem estranha. Ele decidiu dormir, pra ver se passava. Ligou pro trabalho, conversou com o patrão que desejou meus pêsames. Tirou os lençóis que estavam com o cheiro dela. Ele tinha que superar isso, rapidinho. Então, parou de pensar nessas coisas e dormiu até ligarem pra avisar do velório.
Ele chegou no cemitério, no final do enterro, pra tentar confortar os parentes dela. Perdeu o velório, dizendo que queria lembrar dela viva. Assim, ele via só o caixão fechado, descendo e sendo enterrado. Jogou flores brancas, abraçou as pessoas, chorou e foi embora.
No outro dia, recebeu a ligação da mãe, dizendo que entendia ele não ter ligado pra ela, que ele deveria ter ficado muito abalado e por isso não lembrou de detalhes. Ele disse que ia superar, que não tinha mesmo o que fazer. A mãe perguntou se ele queria que ela passasse um tempo na casa dele, ele disse quenão precisava. Passou o dia em casa, descansou, superou.
Rafael acordou cedo e foi lavar a cara. O coração doía um pouco, mas ele precisava trabalhar. Tomou café e comeu pão. Pegou o metrô, trabalhou, almoçou num restaurante 'bom e barato' que tinha ali perto. Voltou pra casa. Entrou, foi ao banheiro, lavou o rosto. Sentou no sofá e pegou o telefone. O telefone tocou, ele desligou. Ela estava morta. Sua namorada estava morta. Sentiu um aperto, um vazio ali dentro. Ligou a televisão, passou os canais. Não sentia sono, mas estava cansado. Foi deitar mesmo assim. Logo dormiu.
Quando a mãe perguntava se estava tudo bem, ele dizia que sim, tá tudo bem, na medida do possível. Ele não costumava se perguntar nada disso, nem fazer discursos sobre a parte sentimental da vida. Ele não era frio nem era meloso.
Certo dia, como todos os outros dias, Rafael acordou cedo e foi lavar a cara. Tentou lembrar se sonhou a noite, mas ele nunca lembrava mesmo. A namorada acordou logo depois e foi tomar um banho. Antes de sair do banheiro ele ouviu: "coloca um pouco mais de açúcar no café, por favor, meu bem".
Fez o café, com mais açúcar, mas não reparou na diferença do café de sempre. Colocou os pães na mesa, a manteiga, o queijo. Procurou coisas diferentes, já que tinha visita. Descascou um abacaxi e esperou a mulher. Ela estava demorando, então ele foi se vestir pra não se atrasar.
Sentaram na mesa. Ela experimentou o café, com um sorriso sutil. Ele tomou mais café e cortou dois pães. Ofereceu pra sua namorada o prato com abacaxi. Ela recusou dizendo que abacaxi lhe deixava com muitas aftas, lembra? Ele disse que não e comeu algumas rodelas de abacaxi pra evitar o desperdício. Ela pegou um pão cortado e comeu, com manteiga.
Deu um beijo na mulher ia saindo. Pediu pra ela comprar alguma coisa pra comer no almoço, já que almoçariam juntos. Algo que ela gostasse bastante. Ela disse que sim, sorrindo, feliz com a preocupação dele. Barrou Rafael na porta, dando um beijo quente de café. Desejou bom dia e sorriu. Ele deu um sorrisinho e saiu pro trabalho.
Ela terminou de comer, arrumou a mesa, lavou a louça, arrumou e passou um pano na casa e colocou algumas roupas na máquina de lavar. Foi ao banheiro, organizou-se e saiu pra comprar o almoço. Saiu pensando em algo que ele também gostasse e que fosse um pouco além do almoço normal. Ela não lembrava de nada especial. Comprou, feliz, os ingedientes do que ela sabia fazer de melhor. O mercado ficava na quadra ao lado. Foi atravessar a rua e tropeçou, deixando umas coisas caírem. Levantou e foi recolher as compras. Ouviu uma buzina, o carro bateu bem de frente com ela, que morreu na hora. O socorro chegou e ela não foi identificada. Os documentos ficaram no apartamento, já que era ao lado.
Rafael chegou em casa. Abriu a porta, entrou. Tirou a camisa, foi ao banheiro, lavou o rosto. Olhou no relógio, tinha duas horas de almoço. Demorou um pouco pra ele se lembrar que a namorada deveria estar ali com o almoço pronto e que por isso ele tinha voltado ao invés de almoçar na rua. Mas não tinha ninguém em casa. As coisas dela ainda estavam no quarto, talvez do mesmo jeito que estavam quando ele saiu. Ou não, a cama parecia arrumada. A cozinha estava limpa, não tinha sinal de começo de almoço. Ligou para o celular dela, que tocou ali do lado do telefone. Olhou no relógio, ainda tinha uma hora e 40 minutos. Ligou pra casa dela, a irmã pensou que ela estava com ele. Ele desceu, pra perguntar ao porteiro se saiu uma moça de cabelo até o ombro, escuro, traços normais? O porteiro disse que saiu, mas fazia tempo. Rafael já ia subindo, quando o porteiro o chamou de volta, dizendo que tinha acontecido um acidente quase na porta do prédio, com uma moça, mas que ele não sabia se era ela.
Chegou no necrotério e reconheceu o corpo machucado da sua namorada. Ele ligou pra cunhada e não sabia como contar, então contou na lata mesmo, com uma voz um pouco tremida. Logo os familiares apareceram e cuidaram de tudo, chorando. Rafael tinha que voltar ao apartamento pra buscar as coisas dela, os documentos. Olhou no relógio e foi, voltando rapidinho com os documentos em mãos.
Decidiu voltar pra casa e tomar um banho, pra depois decidir o que fazer. No chuveiro, começou a chorar por ter visto dois coraçõezinhos de silicone grudados na parede. Ela deveria ter colocado mais cedo. Seu coração doeu, de uma forma bem estranha. Ele decidiu dormir, pra ver se passava. Ligou pro trabalho, conversou com o patrão que desejou meus pêsames. Tirou os lençóis que estavam com o cheiro dela. Ele tinha que superar isso, rapidinho. Então, parou de pensar nessas coisas e dormiu até ligarem pra avisar do velório.
Ele chegou no cemitério, no final do enterro, pra tentar confortar os parentes dela. Perdeu o velório, dizendo que queria lembrar dela viva. Assim, ele via só o caixão fechado, descendo e sendo enterrado. Jogou flores brancas, abraçou as pessoas, chorou e foi embora.
No outro dia, recebeu a ligação da mãe, dizendo que entendia ele não ter ligado pra ela, que ele deveria ter ficado muito abalado e por isso não lembrou de detalhes. Ele disse que ia superar, que não tinha mesmo o que fazer. A mãe perguntou se ele queria que ela passasse um tempo na casa dele, ele disse quenão precisava. Passou o dia em casa, descansou, superou.
Rafael acordou cedo e foi lavar a cara. O coração doía um pouco, mas ele precisava trabalhar. Tomou café e comeu pão. Pegou o metrô, trabalhou, almoçou num restaurante 'bom e barato' que tinha ali perto. Voltou pra casa. Entrou, foi ao banheiro, lavou o rosto. Sentou no sofá e pegou o telefone. O telefone tocou, ele desligou. Ela estava morta. Sua namorada estava morta. Sentiu um aperto, um vazio ali dentro. Ligou a televisão, passou os canais. Não sentia sono, mas estava cansado. Foi deitar mesmo assim. Logo dormiu.